9 de dez. de 2014

ESTUDO - Parte 2 - Extraído do Livro Celebração da DISCIPLINA de Richard Foster

Estudo de Livros

Quando consideramos o estudo é muito natural pensarmos em livros ou outros escritos. Embora constituam apenas metade do campo, conforme afirmei anteriormente, e a metade mais óbvia, eles são muito importantes.
Infelizmente, muitos parecem pensar que estudar um livro é tarefa simples. Não há dúvida de que a atitude petulante explica o motivo dos pobres hábitos de leitura de muitas pessoas. O estudo de um livro é matéria extremamente complexa, de modo especial para o novato. Como no tênis ou na datilografia, quando se aprende a matéria pela primeira vez, parece haver mil detalhes a serem dominados e a pessoa se pergunta como é possível a um pobre mortal conservar tudo em mente ao mesmo tempo. Contudo, uma vez que se adquire proficiência, a mecânica torna-se uma segunda natureza e a pessoa pode concentrar-se no jogo de tênis ou no material a ser datilografado.
A mesma coisa se verifica com o estudo de um livro. O estudo é uma arte exigentíssima que envolve um labirinto de pormenores. O principal obstáculo é convencer as pessoas de que elas devem aprender a estudar. A maioria das pessoas supõe que pelo fato de saberem ler as palavras, sabem por isso mesmo estudar. Esta limitada compreensão da natureza do estudo explica por que tantas pessoas beneficiam-se tão pouco da leitura de livros.
Três regras intrínsecas e três extrínsecas comandam o estudo bem-sucedido de um livro.
As regras intrínsecas podem, no começo, necessitar de três leituras separadas, mas com o tempo elas podem ser feitas simultaneamente. 

A primeira leitura envolve entender o livro: o que é que o autor está dizendo? 

A segunda leitura envolve interpretar o livro: o que é que o autor quer dizer? 

A terceira leitura envolve avaliar o livro: está o autor certo ou errado? 

A tendência de muitos de nós é no sentido de fazer a terceira leitura e freqüentemente nunca fazer a primeira e a segunda. Fazemos uma análise crítica de um livro antes de entendermos o que ele diz. Julgamos um livro certo ou errado antes de interpretarmos seu significado. 

Todavia, as regras intrínsecas de estudo são, em si mesmas, insuficientes. Para ler com êxito, precisamos dos auxílios extrínsecos da experiência, de outros livros e da discussão ao vivo.
A experiência é o único meio de podermos interpretar o que lemos e de relacionar-nos com o que lemos. A experiência que foi entendida e foi alvo de nossa reflexão, informa e ilumina nosso estudo.
No que se refere a livros, podemos incluir dicionários, comentários e outra literatura interpretativa, porém mais significativos são os livros que precedem ou favorecem o problema que está sendo estudado. É freqüente que os livros tenham significado somente quando lidos em relação com outros livros. Por exemplo, as pessoas acharão quase impossível entender Romanos ou Hebreus sem base na literatura do Antigo Testamento. Os grandes livros que se dedicam aos problemas principais da vida interagem entre si. Não podem ser lidos isoladamente.
A discussão ao vivo refere-se à interação comum que ocorre entre os seres humanos à medida que perseguem um determinado curso de estudo. Interagimos com o autor, interagimos uns com os outros, e assim nascem novas idéias criativas.
O primeiro e mais importante livro que devemos estudar é a Bíblia. O salmista perguntou: “De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu caminho?” E ele respondeu à sua própria pergunta: “Observando-o segundo a tua palavra”, e acrescentou: “Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar, contra ti” (Salmo 111:9, 11). Provavelmente a “palavra” a que o salmista se refere seja a Torá. Os cristãos, através dos séculos, têm confirmado esta verdade em seu estudo das Escrituras. “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Timóteo 3:16, 17). Observe que o propósito central não é pureza doutrinária (embora esta, sem dúvida, esteja envolvida) mas a transformação interior. Quando vamos à Escritura vamos para ser transformados, não para acumular informações.
Devemos entender, porém, que existe uma vasta diferença entre o estudo bíblico e a leitura devocional da Bíblia. No estudo bíblico dá-se alta prioridade à interpretação: o que significa. Na leitura devocional, dá-se alta prioridade à aplicação: o que significa para mim. No estudo, não buscamos êxtase espiritual; com efeito, o êxtase pode ser um obstáculo. Quando estudamos um livro da Bíblia, buscamos ser controlados pela intenção do autor. Resolvemos ouvir o que ele diz, e não o que gostaríamos que ele dissesse. Estamos dispostos a pagar o preço de um dia estéril após outro, até que o significado nos seja claro. Este processo revoluciona-nos a vida.
O apóstolo Pedro encontrou algumas coisas nas epí stolas de “nosso amado irmão Paulo” que eram “difíceis de entender” (2 Pedro 3:15,16). Se Pedro pensou assim, nós também pensaremos. Necessitamos de trabalhar no assunto. A leitura devocional diária é, certamente, recomendável, porém ela não é estudo. Quem estiver buscando “uma palavrinha do Senhor para hoje” não está interessado na Disciplina do estudo.
A Escola Dominical para o adulto médio é por demais superficial e devocional para ajudar-nos a estudar a Bíblia, muito embora algumas igrejas creiam suficientemente no estudo a ponto de oferecer cursos sérios sobre a Bíblia.
Talvez você more nas proximidades de um seminário ou de uma universidade onde pode freqüentar cursos como ouvinte. Neste caso, você é feliz, especialmente se encontrar um professor que distribua vida bem como informações. Se, porém, esse não for o caso (e mesmo que o seja), você pode tomar algumas providências para começar o estudo da Bíblia.
Algumas de minhas mais proveitosas experiências de estudo vieram mediante a estruturação de um retiro privado para mim mesmo. Em geral isto leva de dois a três dias. Sem dúvida você objetará que devido ao seu horário, não lhe é possível encontrar o tempo necessário.
Quero que você saiba que não é mais fácil para mim conseguir esse tempo do que para qualquer outra pessoa. Luto e esforço-me por conseguir cada retiro, programando-o em minha agenda com muitas semanas de antecedência. 

Para muitos, um fim de semana é uma boa oportunidade para tal experiência.
Outros podem arranjar algum tempo no meio da semana. Se apenas um dia for possível, com freqüência o domingo é excelente.
O melhor lugar é o que estiver longe de casa. Deixar a casa não só nos liberta do telefone e das responsabilidades domésticas, mas também dispõe nossa mente para uma atitude de estudo. Alguns locais como hotéis, chalés, cabanas, funcionam bem. Acampar é menos desejável visto que a gente se distrai com outras atividades.
Retiros de grupos quase nunca levam o estudo a sério, por isso você precisará, certamente, de organizar seu próprio retiro. Uma vez que você está sozinho, terá de disciplinar a si mesmo e a seu tempo com cuidado. Se você é novo no assunto, não vai querer exagerar e dessa forma esgotar-se. Com experiência, porém, você pode esperar realizar umas dez a doze horas de bom estudo cada dia.

Além de estudar a Bíblia, não se esqueça de estudar alguns dos clássicos experienciais da literatura cristã:

Confissões de Sto. Agostinho. 

Imitação de Cristo, de Thomas de Kempis. 

The Practice of the Presence of God (Prática da Presença de Deus), do Irmão Lawrence. 

The Little Flowers of St. Francis (As Florezinhas de S. Francisco), pelo Irmão Ugolino. Talvez

Pensamentos, de Pascal. 

Table Talks (Conversas à Mesa), de Martinho Lutero

Instituição da Religião Cristã, de Calvino. 

The Journal of George Fox (Diário de George Fox), 

Diário de João Wesley. 

A Serious Call to a Devout and Holy Life (Apelo a uma Vida Devota e Santa), de William Law (as palavras dessa obra trazem um tom contemporâneo).

A Testament of Devotion (Testamento de Devoção), por Thomas Kelly; 

The Cost of Discipleship (O Custo do Discipulado), por Dietrich Bonhoeffer,

A Essência do Cristianismo Autêntico, de C. S. Lewis.

Lembre-se de que a chave da Disciplina do estudo não é ler muitos livros, mas ter experiência daquilo que lemos.


Estudo de “Livros não Verbais”

Chegamos ao menos reconhecido mas talvez o mais importante campo de estudo: a observação da realidade nas coisas, nos acontecimentos e nas ações. O ponto mais fácil por onde começar é a natureza. Não é difícil ver que a ordem criada tem algo para ensinar-nos.
Isaías diz que “... os montes e os outeiros romperão em cânticos diante de vós, e todas as árvores do campo baterão palmas” (Isaías 55:12). A obra das mãos do Criador pode falar a nós e ensinar-nos, se estivermos dispostos a ouvir. 

Começamos o estudo da natureza prestando atenção. Vemos flores ou pássaros.
Observamo-los cuidadosa e reverentemente. André Gide descreve a ocasião em que, durante uma aula, observou uma mariposa que saía de sua crisálida. Ele se encheu de maravilha, espanto e alegria em face desta metamorfose, desta ressurreição. Todo entusiasmado ele mostrou-a ao professor que respondeu com uma nota de desaprovação: “Grande coisa! Não sabia você que a crisálida é o envoltório da borboleta? Toda borboleta que você vê surgiu de uma crisálida. É perfeitamente natural.” Desiludido, Gide escreveu: “Sim, de fato, eu conhecia História Natural também, talvez melhor do que ele... Mas, pelo fato de ser natural, não podia ele ver que era maravilhoso? Pobre criatura! A partir desse dia, senti pena dele e aversão a suas lições.” Quem não sentiria? O professor de Gide havia apenas acumulado informações; ele não havia estudado. Por isso, o primeiro passo no estudo da natureza é a observação reverente. Uma folha pode falar de ordem e variedade, de complexidade e de simetria. Evelyn Underhill escreveu:
“Concentre-se, como os exercícios de recordar ensinaram-lhe a fazê-lo. Depois, com atenção e, não mais disperso entre os pequenos acidentes e interesses de sua vida pessoal, mas equilibrado, ereto, pronto para o trabalho que você demandará desse mister, procure alcançar, por um distinto ato de amor uma das miríades de manifestações da vida que o circunda, as quais, de uma forma costumeira, dificilmente você nota, a menos que aconteça você necessitar delas.
Lance-se a ele; não atraia a imagem dele para você. Atenção deliberada - mais ata, apaixonada - uma atenção que logo transcende a consciência de si mesmo, como separada da coisa vista e a esta assistindo; esta é a condição do êxito.
Quanto ao objeto de contemplação, pouco importa. Dos Alpes ao inseto, tudo é válido, contanto que sua atitude seja reta; pois todas as coisas neste mundo que você deseja alcançar estão ligadas umas às outras, e uma delas verdadeiramente apreendida será a porta para as restantes.”

O passo seguinte é fazer-se amigo das flores, das árvores e das pequenas criaturas que rastejam pela terra. Como o Dr. Doolittle da fábula, converse com os animais. Está claro que não podemos, em realidade, conversar com eles... ou será que podemos? Há, por certo, uma comunicação que ultrapassa as palavras - os animais, até mesmo as plantas, parecem responder à nossa amizade e compaixão. Sei disto porque já fiz experiências neste sentido, e também o fizeram alguns cientistas de primeira, e temos verificado que é verdadeiro.

Disto podemos estar certos: se amarmos a criação, aprenderemos com ela. Em Os irmãos Karamazov, Dostoievski aconselhou:
“Ame toda a criação de Deus, o todo e cada grão de areia que nela há. Ame cada folha, cada raio de luz de Deus. Ame os animais, ame as plantas, ame tudo. Se você amar tudo, perceberá o mistério divino nas coisas. Percebido o mistério, você poderá compreendê-lo melhor cada dia.”

Há, naturalmente, além da natureza muitos outros “livros” que deveríamos estudar. Se você observar as relações que ocorrem entre os seres humanos, receberá uma educação de nível pós-graduação. Veja, por exemplo, quanto do que falamos visa a justificar nossas ações. Achamos quase impossível agir e deixar que o ato fale por si mesmo. Não; devemos explicá-lo, justificá-lo, demonstrar sua justeza. Por que sentimos esta compulsão de explicar tudo direitinho? Por causa do orgulho e do medo. Nossa reputação está em jogo!
Esse traço é particularmente fácil de observar entre vendedores, escritores, pregadores, professores - todos quantos ganham a vida fazendo bom uso das palavras. Se porém, fizermos de nós mesmos um dos principais assuntos de estudo, aos poucos nos livraremos da arrogância. Seremos incapazes de orar como o fariseu: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens...” (Lucas 18:11).

Atente bem para os relacionamentos comuns que você encontra durante o dia: em casa, no trabalho, na escola. Note as coisas que controlam as pessoas.
Lembre-se: você não está tentando condenar ou julgar ninguém; você está apenas procurando aprender.

Conforme mencionei acima, nós mesmos deveríamos conhecer as coisas que nos controlam. Observe seus sentimentos interiores e variações de ânimo. Que é que controla seus ânimos? Que é que você pode aprender daí a respeito de si mesmo?

Ao fazer tudo isto, não estamos tentando tomar-nos psicólogos ou sociólogos amadores. Nem estamos obcecados por excessiva introspecção. Estudamos essas matérias com espírito de humildade e tendo necessidade de uma grande dose de graça. Desejamos apenas seguir a máxima de Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo.” E mediante o bendito Espírito Santo esperamos que Jesus seja nosso Mestre vivo e sempre presente.

Faríamos bem em estudar instituições e culturas, bem como as forças que as modelam. Deveríamos, também, ponderar sobre os acontecimentos de nosso tempo - notando primeiro, com espírito de discernimento, o que nossa cultura pensa ser ou não ser um “grande acontecimento”. Examine os sistemas de valor de uma cultura - não o que as pessoas dizem ser, mas o que realmente são. E um dos mais nítidos meios de ver os valores de nossa cultura é observar os comerciais de televisão.

Faça perguntas. De que se constituem o ativo e o passivo de uma sociedade tecnológica? Por que achamos difícil, em nossa cultura, encontrar tempo para desenvolver relacionamentos? 

É o individualismo Ocidental valioso ou destruidor? 

Que elementos, em nossa cultura, estão alinhados com o evangelho, e quais estão em desacordo? Uma das mais importantes funções dos profetas cristãos de nossos dias é perceber as conseqüências de várias invenções e de outras forças culturais e formular juízos de valor a respeito delas.

O estudo produz alegria. Como todo novato, acharemos difícil trabalhar no começo. Mas quanto maior nossa proficiência, tanto maior nossa alegria.

Alexander Pope disse: “Não há estudo que não seja capaz de deleitar-nos depois de uma pequena aplicação a ele.” O estudo é digno de nosso mais sério esforço.

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