15 de out. de 2020

O voto de pobreza e o dom de ser generoso

O desapego aos bens materiais ensinado por Jesus de Nazaré é uma inovação religiosa diante da história das religiões que geralmente pregam o acúmulo de riquezas como uma dádiva divina. Nas palavras do messias Jesus Cristo “não devemos juntar tesouro na terra, onde tudo pode ser perdido, ao contrário, devemos juntar tesouros na eternidade, é muito melhor ter o coração na eternidade e não se deixar corromper pela corrupção terrena (Mateus 6:19-22). 

Mediante esse ensinamento os discípulos e a Igreja do primeiro século dedicaram-se a investir seus bens materiais para a manutenção das comunidades cristãs, assistência aos órfãos e às viúvas e em prol do avanço das missões evangelísticas, num modelo exemplar de desapego aos bens materiais. Houve também excessos, por exemplo, pessoas que para aparentar o desapego aos bens materiais fingiam que estavam doando tudo o que tinham quando na verdade estavam retendo parte, numa mostra do potencial para a deturpação do princípio do desapego enquanto ostentação e orgulho de uma aparente piedade. 

No século IV com o fim da perseguição religiosa imposta pelos romanos, a construção de templos suntuosos e a profissionalização dos religiosos o desapego deixou de ser uma característica da Igreja, agora uma instituição, ao contrário, acumuladora de riquezas terrenas. Nesse contexto de ignorância do ensino messiânico e da forma de ser igreja do primeiro século, tanto a Igreja como as sociedades cristãs europeias se desenvolveram sem observar a injustiça social e o abuso cometido pelos detentores das riquezas. Assim, no século XII, o monge São Francisco, em Assis, começa um movimento pacífico de enfrentamento às injustiças cometidas pelas elites de sua época, recusando qualquer vínculo aos negócios terrenos, numa atitude de contemplação e dedicação a vida religiosa. 

Esse modo de ser franciscano era subsidiado pelos cidadãos europeus que observando a dedicação dos monges faziam ofertas para o sustento das suas obras. Os monges por sua vez não acumulavam riquezas, não possuíam terras e se dedicavam a evangelização. 

No século XVI, outro movimento, a Companhia de Jesus, tendo entre seus fundadores o Santo Inácio de Loyola, começou também um trabalho de expansão da fé católica. Esses chamados Jesuítas, também tinham entre seus valores o voto de pobreza e tal como os franciscanos se mantinham com as esmolas dos fiéis. 

Durante o período de colonização do Brasil, ambas as missões trabalhavam entre os colonos e os nativos, no entanto, não havia cidadãos abastados para sustentar o avanço das missões e como todos os indígenas deveriam ser ensinados o investimento necessário era alto. 

Os jesuítas para resolverem o problema foram pragmáticos, não rejeitaram a oferta de mão de obra escrava e acumularam muitos escravos cedidos pela Coroa Portuguesa. Também não seguiram as regras dos fundadores da ordem, de se absterem dos negócios e viverem das ofertas e passaram a lavrar a terra e possuir animais para comércio. Decidiram deixar de lado um dos valores dos fundadores da ordem conforme as palavras do Padre Manoel da Nobrega “E temo que fosse esta grande invenção do inimigo vestir-se de santa pobreza para impedir a salvação de muitas almas” (Nóbrega, 1955: 393). 

Os franciscanos foram rígidos e mantém até a atualidade o prestígio do voto de pobreza. 

Para nós, religiosos do século XXI, o voto de pobreza é romantizado por alguns, ridicularizado por outros e pouco compreendido pela maioria. 

As sociedades da atualidade, cristãs ou não, no ocidente voltaram a vincular o acúmulo de riquezas à benção divina e como se Cristo não tivesse dito nada a respeito do assunto, as Igrejas, não todas, simplesmente ignoram o texto e ensinam o contrário, enquanto constroem templos suntuosos e adquirem negócios em rádios, emissoras de Televisão e outros tipos de comércio. 

Se fosse em prol do ensino do Evangelho, para alcançar os perdidos em todos os locais mais remotos da Terra, ou para caridade atendendo população em situação de rua, ajudando órfãos, viúvas, caridade em geral ou investimentos em saúde como nos casos das Santas Casas de Misericórdia, se fosse qualquer um desses motivos poderíamos alegar certo pragmatismo por parte das lideranças religiosas, mas a verdade é que não estão pensando no próximo, ou na expansão do Evangelho. Infelizmente são pastores de si mesmos que há tempos deixaram de se importar com o tesouro nos céus e que agora trabalham para construir fortuna terrena. 

No trecho a seguir, extraído do livro do Reverendo Augusto Nicodemos, O que estão fazendo com a Igreja? ao tratar do assunto da falta de fé, logo a abordagem se torna o problema da real motivação dos líderes religiosos, riqueza terrena. 

Tive amigos que eram membros de uma igreja cuja o pastor eu desconfiava que fosse incrédulo. Perguntando-lhes como eram as pregações, descobri que o problema não era o que o pastor dizia, mas o que ele deixava de dizer, os temas que ele evitava, os assuntos que nunca mencionava, como a ressurreição de Cristo, a infalibilidade das Escrituras. a veracidade e confiabilidade da narrativa bíblica, o poder do Espírito para regenerar a natureza humana pecaminosa. a morte vicária de Cristo, a realidade da tentação e da luta cristã. Havia aprendido a sobreviver dessa maneira, evitando matérias de fé e pregando aquilo que um rabino, mestre espírita ou líder muçulmano também pregaria: a honestidade, o amor ao próximo, o voto pelo desarmamento. Um de meus filhos leu o rascunho deste capítulo e logo me perguntou: "Papai, por que alguém gostaria de ser pastor se não tem Fé? Não tem uma maneira mais fácil de ganhar dinheiro?". Pois é, o pior é que não tem. Dentro da igreja, tais pastores são vistos como intelectuais respeitáveis para questionarem "cientificamente" algumas doutrinas, mas o que seriam fora dela? Nada. Apenas mais alguns incrédulos no mundo. (Nicodemos, 2008, p. 21) 

Pessoas que tem fé abrem mão de suas riquezas, se sacrificam com alegria e por julgarem necessário podem decidir por uma vida de desapego, investindo seus bens financeiros para ajudar missionários ou ajudarem suas comunidades de outras formas, mas sempre voluntariamente, com muita alegria e generosidade. 

A reação mais comum diante desse tipo de decisão é sentirmos pena da pessoa por estar se desfazendo de seus bens. Podemos até questionar se realmente é necessário se desfazer de tudo. Certo ceticismo pode ser saudável para a Igreja, pois não é sábio aceitar tudo sem questionar. Será mais correto se quando testemunharmos o contrário, as pessoas acumulando riquezas terrenas de maneira desordenada, sem honestidade, vendendo objetos supostamente sagrados, num estelionato descarado, dessas pessoas sim, sintamos pena, pois elas perderam a fé e são motivadas exclusivamente pelos ganhos terrenos.

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