13 de out. de 2020

O radicalismo dos Franciscanos, o pragmatismo dos Jesuítas e a ganância atual

Um pastor pobre chamado Hans Böhm, em Nicklashauen, no sul da Alemanha, no ano de 1476, disse “Os bispos, príncipes, condes e cavaleiros deveriam ter permissão para possuir somente tanto quanto o povo em geral. Virá o dia em que também eles terão de ganhar a vida trabalhando” (Gonzales, 2011), esse dia ainda não chegou, mas podemos observar no período anterior a Reforma Protestante de 1517 o sentimento de indignação latente. 

Ao observarmos a maneira como as Igrejas do Brasil no século XXI estão construindo suas fortunas e transformando seus líderes em novos ricos podemos imaginar que isso é uma novidade. A ideia de barganha entre o ofertante e sua divindade adorada, também incorretamente, nos parece recente. A novidade, no entanto, consiste no fato de haver inúmeras instituições novas com a mesma finalidade, o enriquecimento. Seu contraponto, o pensamento de que é correto repartir não surgiu na atualidade como podemos observar no provérbio israelita “O que dá ao pobre não terá necessidade, mas o que esconde os olhos terá muitas maldições” (Provérbios 28:27). 

Segundo Joyce Meyer, “os líderes religiosos podem estar cercados de pessoas com desejos similares ao de Judas, apegadas ao dinheiro, podendo ser induzidas ao erro” (Meyer, 2006). Concordo com o pensamento da autora, acrescento ainda que muitos líderes na atualidade podem ter o coração com a pré-disposição para o enriquecimento ilícito, o abuso dos incautos e até mesmo cometer crimes como evasão de divisas e sonegação de impostos. Tudo isso não está oculto, de fato, na atualidade impera uma espécie de ostentação das riquezas das igrejas, até mesmo nas igrejas em que ocorreram denúncias de irregularidades e a consequente prisão de seus líderes. 

No século XII o monge que ficou conhecido como São Francisco de Assis começou o movimento de repúdio às injustiças sociais tendo como bandeira principal, além da castidade e da contemplação, o voto de pobreza. Vista na atualidade como uma espécie de demonização das riquezas, o voto de pobreza e seus adeptos são incompreendidos e constantemente repelidos com a observação de que grandes homens piedosos possuíam muitas posses, o que é verdade, mas omite-se o problema do apego aos bens materiais em detrimento de uma vida honesta e dedicada à comunhão e o repartir do pão, características que devem ser marcantes na vida de um cristão. 
Outro movimento, datado do século XVI, fundado por outro Padre conhecido como Inácio de Loyola, a Companhia de Jesus, também tinha entre suas regras a dependência das doações dos fiéis e dentre suas formas de obter recursos financeiros estava a possibilidade de receberem heranças, o que rendeu a esse grupo, a má fama de serem caçadores de heranças para enriquecerem. É certo que os seus fundadores tinham o desejo de resistir firmemente à tentação de enriquecer às custas da fé alheia, mas os  representantes das gerações seguintes nem sempre concordaram com as regras. 

Na época do Brasil Colônia, por exemplo, a Companhia de Jesus enquanto tratava de catequizar os indígenas não conseguia obter todos os recursos necessários por meio das doações dos poucos fiéis presentes na colônia e por isso seus membros, chamados jesuítas, liderados pelo Padre Manoel da Nobrega, decidiram adquirir terras, escravos e com isso produzir riquezas. (Nóbrega, 1955: 121), contrariando o ideal Inaciano de pobreza total tanto dos monges como da instituição (Santo Inácio de Loyola, 2004, n.º 565). 

Nessa mesma época vozes se levantaram como crítica ao modo de operar dos Jesuítas, padres vindos em missão como Luís da Grã (Nóbrega, 1955: 267), Francisco de Borja (Leite, 1938: 176), Miguel Garcia e Gonçalo Leite (Le i te, 1938: 227). Todos Padres contrários ao modus operandi da Companhia de Jesus, contrários ao acúmulo de escravos, terras e gado, críticos que foram todos chamados de volta para a Europa sob a alegação de não adaptação, numa clara demonstração de que esse posicionamento não agradava a liderança da Igreja e tampouco os interesses da Coroa Portuguesa. 

Por parte dos Franciscanos, no entanto, o voto de pobreza foi ainda mais radical ao ponto de os monges contratarem leigos para serem os administradores das finanças de seus mosteiros e colégios, orientados a sequer recolherem dinheiro do chão ou aceitar dinheiro de quem quer que fosse, exceto para ajudar pessoas em necessidades, ou seja, não sendo para o ganho próprio (São Fran cisco, 1982: 147). 

É possível aprendermos muito com o exemplo dos nossos antepassados, desde o bom senso de zelarmos pelos recursos que temos a nossa disposição para ajudar o próximo, assim como não nos deixarmos dominar pelo sentimento de posse e dependência dos recursos financeiros cedendo à tentação de sermos desonestos e em especial sem hesitar nos posicionarmos como vozes contra os abusos das lideranças religiosas em nosso tempo.

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