É comum atualmente ouvirmos ativistas de diversos segmentos
da sociedade com práticas contrárias às diretrizes mais básicas do cristianismo
advertirem para o fato de o Estado ser laico e por conta disso não ser correto
ter interferência dos preceitos cristãos. No entanto um estado laico e
democrático deve ser regido conforme o consenso da maioria e não baseado nos
conceitos e filosofias de uma minoria. As minorias precisam ter os seus
direitos inalienáveis como seres humanos preservados pelo Estado e isso se deve
ao fato de estar totalmente de acordo com os princípios cristãos de justiça,
compaixão e caridade, não por acaso, mas por sermos uma nação majoritariamente
cristã.
Os representantes cristãos do poder legislativo são
severamente atacados como retrógrados, alienados, antiquados e até mesmo a
Bíblia Sagrada sofre ataques de grupos que se sentem constrangidos pelas
demandas dos cristãos e por vezes até mesmo reiteram seu desprezo pelos que
professam sua fé em Deus e em Cristo. Há claramente uma ideia injusta de que os
valores cristãos devem ser deixados de lado enquanto os pensamentos dos
opositores devem ser respeitados e colocados em prática. Essa ideia não é de um
Estado laico, mas de um Estado Ateu, como na Europa Oriental, em países como a Albânia
em que o cristianismo sofreu severa perseguição e havia a idolatria ao partido
que governava.
Essa história não começou a pouco tempo, mas há mais de dois
mil anos, quando o Império Romano dominava o oriente médio e em Jerusalém havia
um grupo de homens e mulheres que anunciavam um novo Rei, eles foram
perseguidos e mortos pelo Estado. Assim continuou por mais três séculos até que
o Estado assimilou a doutrina desses homens e o Estado passou a ser cristão por
decreto do Imperador Constantino. No século IV a Igreja passou a ser uma
instituição reconhecida pelo Estado e se desenvolveu dentro do Império Romano.
Com a queda do Império Romano no século V, a Igreja não
desapareceu, mas continuou sendo uma instituição forte, no século VIII, por
exemplo, o Papa Zacarias havia tirado Childerico do trono francês para coroar
Pepino, o Breve, supostamente abrindo precedente para o Papa nomear e depor
reis. Na prática não foi o que aconteceu, pois pouquíssimos Papas tiveram
realmente destaque e autoridade para intervir em assuntos do Estado, pois na
maior parte do tempo os papas eram na verdade nomeados para atender as demandas
de determinados partidos e na maioria dos casos para atender os interesses do
rei.
No século X foi estabelecido o Sacro Império Romano e toda a
cristandade era governada por um imperador que regia tanto o Estado como a
Igreja. O Papa figurava como líder máximo da Igreja, mas quem articulava quem
seriam os papas era o Estado. A história conta que no século XI o Rei Henrique III
nomeou três papas, sendo eles o papa Bento IX, que foi expulso de Roma, depois
foi nomeado Clemente II, na tentativa de recuperar a dignidade da Igreja, mas
foi preciso ainda nomear outro papa, agora foi nomeado seu primo, Bruno, que
utilizou o nome Leão IX. A partir de então surgiu um forte sentimento de
repudio ao controle do Estado sobre a Igreja, isso porque havia a preocupação
de o imperador ser mal e nesse caso não se saberia o que poderia acontecer com
a Igreja.
Durante o reinado de Henrique IV e o papado de Gregório VII,
foi redigido um documento chamado Dictatus, que condenava o controle da Igreja
pelo Estado. A história se passa durante o Feudalismo, período em que a
autoridade era do senhor feudal e dos monarcas, sendo que todos deveriam estar
debaixo da autoridade dos barões e dos reis, o mesmo acontecia com a Igreja.
Esse documento foi um marco, pois é a declaração de independência da Igreja,
indicando que o Imperador é quem deve prestar contas ao Papa e que o Papa só
deve prestar contas a Deus. Ocorreu que morreu o arcebispo de Milão e
imediatamente o Rei Henrique IV nomeou um novo bispo de sua confiança. Essa
atitude contrariava o Dictatus, e por isso o Papa Gregório VII excomungou o
Rei. Henrique IV então se humilhou perante o Papa que o perdoou, mas passado algum
tempo voltaram a se enfrentar.
Foi Henrique V quem resolveu o dilema, na segunda tentativa,
pois na primeira fora muito radical querendo que a Igreja renunciasse todas as
suas terras em troca de sua liberdade, pois bem, na segunda tentativa propôs o
acordo de que o Estado nomearia os bispos com base nos princípios do
Feudalismo, que chamamos de Investidura Leiga e a Igreja precisaria concordar
outorgando autoridade eclesiástica por meio de objetos dados aos clérigos,
anéis, báculos ou cajados de pastor. Isso não impediu que o Estado e a Igreja
voltassem a se ressentir no futuro, mas foi a melhor solução possível durante a
idade média.
Ironicamente, Henrique VIII, no século XVI, foi quem separou
a Igreja Inglesa da Igreja Católica Romana, fundando uma Igreja da qual ele
mesmo seria o Regente Máximo, algo que perdura até hoje, tendo a atual rainha
da Inglaterra como líder da Igreja Anglicana.
Muitos
países, tais como França, os Estados Unidos e o Brasil tem em sua constituição artigos
que impedem qualquer interferência da Igreja em suas decisões, assim como está
assegurado o direito de todo cidadão ter sua fé e prática religiosa
respeitados. No Brasil, no entanto, ocorre o seguinte fenômeno, quando a Igreja
precisa usar um espaço público, ele pode ser recusado sob a alegação de que o
Estado é laico, mas quando uma comunidade que não professa fé alguma pede para
usar o espaço do Estado, ela é atendida, isso é um comportamento de Estado ateu
e não de um Estado laico em que todos devem ser tratados com igualdade, sendo
Igreja ou não.
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