14 de dez. de 2018

O mito da interferência da Igreja sobre o Estado e seu ateísmo velado

É comum atualmente ouvirmos ativistas de diversos segmentos da sociedade com práticas contrárias às diretrizes mais básicas do cristianismo advertirem para o fato de o Estado ser laico e por conta disso não ser correto ter interferência dos preceitos cristãos. No entanto um estado laico e democrático deve ser regido conforme o consenso da maioria e não baseado nos conceitos e filosofias de uma minoria. As minorias precisam ter os seus direitos inalienáveis como seres humanos preservados pelo Estado e isso se deve ao fato de estar totalmente de acordo com os princípios cristãos de justiça, compaixão e caridade, não por acaso, mas por sermos uma nação majoritariamente cristã.

Os representantes cristãos do poder legislativo são severamente atacados como retrógrados, alienados, antiquados e até mesmo a Bíblia Sagrada sofre ataques de grupos que se sentem constrangidos pelas demandas dos cristãos e por vezes até mesmo reiteram seu desprezo pelos que professam sua fé em Deus e em Cristo. Há claramente uma ideia injusta de que os valores cristãos devem ser deixados de lado enquanto os pensamentos dos opositores devem ser respeitados e colocados em prática. Essa ideia não é de um Estado laico, mas de um Estado Ateu, como na Europa Oriental, em países como a Albânia em que o cristianismo sofreu severa perseguição e havia a idolatria ao partido que governava.

Essa história não começou a pouco tempo, mas há mais de dois mil anos, quando o Império Romano dominava o oriente médio e em Jerusalém havia um grupo de homens e mulheres que anunciavam um novo Rei, eles foram perseguidos e mortos pelo Estado. Assim continuou por mais três séculos até que o Estado assimilou a doutrina desses homens e o Estado passou a ser cristão por decreto do Imperador Constantino. No século IV a Igreja passou a ser uma instituição reconhecida pelo Estado e se desenvolveu dentro do Império Romano.

Com a queda do Império Romano no século V, a Igreja não desapareceu, mas continuou sendo uma instituição forte, no século VIII, por exemplo, o Papa Zacarias havia tirado Childerico do trono francês para coroar Pepino, o Breve, supostamente abrindo precedente para o Papa nomear e depor reis. Na prática não foi o que aconteceu, pois pouquíssimos Papas tiveram realmente destaque e autoridade para intervir em assuntos do Estado, pois na maior parte do tempo os papas eram na verdade nomeados para atender as demandas de determinados partidos e na maioria dos casos para atender os interesses do rei.

No século X foi estabelecido o Sacro Império Romano e toda a cristandade era governada por um imperador que regia tanto o Estado como a Igreja. O Papa figurava como líder máximo da Igreja, mas quem articulava quem seriam os papas era o Estado. A história conta que no século XI o Rei Henrique III nomeou três papas, sendo eles o papa Bento IX, que foi expulso de Roma, depois foi nomeado Clemente II, na tentativa de recuperar a dignidade da Igreja, mas foi preciso ainda nomear outro papa, agora foi nomeado seu primo, Bruno, que utilizou o nome Leão IX. A partir de então surgiu um forte sentimento de repudio ao controle do Estado sobre a Igreja, isso porque havia a preocupação de o imperador ser mal e nesse caso não se saberia o que poderia acontecer com a Igreja.

Durante o reinado de Henrique IV e o papado de Gregório VII, foi redigido um documento chamado Dictatus, que condenava o controle da Igreja pelo Estado. A história se passa durante o Feudalismo, período em que a autoridade era do senhor feudal e dos monarcas, sendo que todos deveriam estar debaixo da autoridade dos barões e dos reis, o mesmo acontecia com a Igreja. Esse documento foi um marco, pois é a declaração de independência da Igreja, indicando que o Imperador é quem deve prestar contas ao Papa e que o Papa só deve prestar contas a Deus. Ocorreu que morreu o arcebispo de Milão e imediatamente o Rei Henrique IV nomeou um novo bispo de sua confiança. Essa atitude contrariava o Dictatus, e por isso o Papa Gregório VII excomungou o Rei. Henrique IV então se humilhou perante o Papa que o perdoou, mas passado algum tempo voltaram a se enfrentar.

Foi Henrique V quem resolveu o dilema, na segunda tentativa, pois na primeira fora muito radical querendo que a Igreja renunciasse todas as suas terras em troca de sua liberdade, pois bem, na segunda tentativa propôs o acordo de que o Estado nomearia os bispos com base nos princípios do Feudalismo, que chamamos de Investidura Leiga e a Igreja precisaria concordar outorgando autoridade eclesiástica por meio de objetos dados aos clérigos, anéis, báculos ou cajados de pastor. Isso não impediu que o Estado e a Igreja voltassem a se ressentir no futuro, mas foi a melhor solução possível durante a idade média.

Ironicamente, Henrique VIII, no século XVI, foi quem separou a Igreja Inglesa da Igreja Católica Romana, fundando uma Igreja da qual ele mesmo seria o Regente Máximo, algo que perdura até hoje, tendo a atual rainha da Inglaterra como líder da Igreja Anglicana.

Muitos países, tais como França, os Estados Unidos e o Brasil tem em sua constituição artigos que impedem qualquer interferência da Igreja em suas decisões, assim como está assegurado o direito de todo cidadão ter sua fé e prática religiosa respeitados. No Brasil, no entanto, ocorre o seguinte fenômeno, quando a Igreja precisa usar um espaço público, ele pode ser recusado sob a alegação de que o Estado é laico, mas quando uma comunidade que não professa fé alguma pede para usar o espaço do Estado, ela é atendida, isso é um comportamento de Estado ateu e não de um Estado laico em que todos devem ser tratados com igualdade, sendo Igreja ou não.

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